terça-feira, 9 de junho de 2009

"Pode ser que meu sonho seja assim" - São Paulo, 21 de maio de 2009

Existem sonhos que a gente tem que são tão difíceis de serem realizados que acabamos esquecendo deles, dando lugar a aspirações mais imediatas e plausíveis. Na última quinta-feira, no show dos Paralamas com participação da Vanessa da Mata em São Paulo, eu resgatei um sonho que há tempos me habitava, mas que eu nem recordava de sua importância.

Entramos, eu e Rafael, pelos fundos da Via Funchal. Subimos os três andares até chegarmos no palco. Faltava alguns minutos para o início do show, mas a movimentação já era intensa. Bidu, Monteiro, Zé Fortes por ali, enquanto Helder e Rodrigo (roadie do Barone) cuidavam das últimas arrumações para o início do espetáculo. Ficamos ali, olhando uma movimentação que aos poucos estamos nos acostumando a viver, com aquela timidez típica dos primeiros minutos naquele ambiente.

O Rafa tava com uns amigos na platéia, e disse que ia para lá encontrar com eles. Era pra eu ir junto, mas de repente vi a burrice que seria não assistir ao show inteiro dali, do palco, andando pelos bastidores, trocando de lado, tirando fotos por um ângulo super diferente... Foi então que me lembrei que sempre sonhei com isso, desde quando tinha 12 anos e arranhava no violão, assistia os Paralamas em algum VHS e pensava: “Imagina ver isso ali do palco”. O Rafa foi, meio sem entender como eu preferi ficar ali sozinho.

Poucos minutos depois, havia chegado a grande hora: os Paralamas iam entrar no palco. Muitos aplausos, aquele frio na barriga de “os caras tão vindo ai” e de repente eles passam, como jogadores de futebol se dirigindo para o gramado, mas com os rostos iluminados como se fossem jogar pela primeira vez. Eu fiquei em um canto que não atrapalhasse a entrada da banda, e logo que eles se postaram no palco, perdi a timidez e fiquei ali atrás das cortinas pretas, abismado com o que estava acontecendo.



A primeira música foi “Ela Disse Adeus”, lembrando o início da turnê do Hey Na Na (a qual não assisti), quando os scrathes da canção ficam se repetindo até Herbert puxar “now the deed is done”. O público logo percebeu que as cadeiras e mesas do Via Funchal nada tinham a ver com a banda que estava se apresentando. Mesmo assim, o coro era altíssimo.

Na sequência, vieram “Seguindo Estrelas”, “La Bella Luna”, “Track-Track” e “O Beco” – antigamente eu decorava o set list , agora não consigo mais. Mas foi por aí que entrou Andreas Kisser no palco. Ninguém sabia que ele ia tocar com os Paralamas – quando Herbert começou a dizer “gostaríamos de chamar ao palco..”, todos imaginaram que seria a Vanessa da Mata. Andreas me disse depois que foi ao Via Funchal apenas para ver o show, mas que a coceira foi grande e ele resolveu tocar. Acabou usando uma guitarra reserva do Herbert, já que nem instrumento ele havia levado.

Quem já teve a oportunidade de ver Andreas com o trio paralâmico ao vivo sabe que a banda cresce muito. A impressão que fica é de que, se “faltava” alguma coisa para os Paralamas ficarem ainda mais poderosos, seria Andreas Kisser. Há quem não goste do peso de seu som, ou do Sepultura, ou ache que o cara toca com qualquer um, mas ninguém pode negar que Andreas sabe muito bem, e como poucos, o que fazer com uma guitarra.



Tocaram “Calibre” – nisso já tinha gente se levantado delicadamente das mesas e pulando – “Mensagem de Amor” e “Selvagem”. Uma cena que vi em Mensagem ficará por muito tempo em minha memória: Pedro Ribeiro, produtor e irmão do Bi, estava ao meu lado desde o início do show, mas não falou muita coisa porque toda hora entrava no palco, dava voltas, via se tava tudo bem. Em “Mensagem”, com o Barone dobrando o ritmo e o Herbert solando absurdo, Pedro me olhou e falou algum palavrão que significava admiração. Quando acabou a música, ele começou a bater palmas. Tirei a máquina da mão e bati palmas também, e todos ali atrás fizeram o mesmo. Pensei: “Quantas vezes o Pedro ouviu essa música? Quantas cenas memoráveis ele já não deve ter presenciado?”.

Andreas saiu do palco ovacionado. Foi ali para o nosso lado, com um sorriso enorme no rosto. Conversamos e foi quando ele contou que não sabia que ia tocar até poucas horas atrás. O show recomeçou com “Cuide Bem do Seu Amor” e “Romance Ideal”. Depois veio “Meu Erro”, que tá com uma entradinha diferente, Barone marcando a bateria, Herbert com um riff na guitarra, Barone vira e explode a linha de baixo marcante da música. Alguém falou que essa entradinha nova parecia algo do Strokes, mas eu não conheço para dizer.

Herbert, então, chamou Vanessa da Mata e Davi Moraes, filho de Moraes Moreira e guitarrista da moça. Começaram com “Vermelho”, uma canção dela; um cara que parecia ser do staff da Vanessa se virou pro Pedro e falou “Esse Barone toca muito”. Era um reggae, que acho que ela gravou com o Sly & Robbie, e que na mão de Bi e João ficou ainda mais bonito. Depois, veio “Lanterna dos Afogados” – muito bonita na interpretação da Da Mata – e “Caleidoscópio”, com direito a solo arrasador de Herbert. Por fim, tocaram a parceria dela com o Ben Harper, o Herbert ficava repetindo a letra em inglês que a Vanessa cantava e ficou muito legal.


A Vanessa saiu de cena, os Paralamas voltaram com a nova versão de “A Novidade”, mais reggueira, e nisso o público já havia esquecido de mesas e cadeiras, e se pôs a dançar e cantar. Na sequência, as duas músicas de trabalho de Brasil Afora, “Meu Sonho” e “A Lhe Esperar”, cantadas por muito mais gente que eu imaginava – como diria a Deise, os Paralamas estão “na boca do povo”! Veio “Uma Brasileira” na versão Calypso, Lourinha Bombril, Óculos (com a já clássica frase “em cima destas rodas também bate um coração”) e Vital. Vanessa voltou ao palco e juntos todos fizeram “Alagados” com a incidental “Sociedade Alternativa”. Festa, suor, todo mundo dançando e a essa altura o Via Funchal era um carnaval só.

Há pelo menos uma hora antes do final do show, eu estava ali ao lado do Pedro quando ele me falou. “Cara, acho que dá pra você subir lá em cima e tirar umas fotos bem legais”. Ele me mostrou que o Via Funchal tinha mais quatro andares acima do palco; me levou até as escadas, disse que obviamente não poderia subir junto, mas que eu tinha de ir, que era muito legal. É claro que fui, e foi surreal assistir a boa parte do show numa visão aerea; depois de subir os andares, cheguei ao último, com uma porta de ferro enorme, que parecia não ser aberta há muito tempo. Abri-a, e me deparei com uma pequena passarela; de repente, surpresa, eu via todos os Paralamas bem de cima, pequeninos aos meus olhos. Foi uma emoção sem igual, que acho que não terei novamente.

Já com o show finalizado, desci daquele cenário de filme e fui encontrar o Rafa e me despedir de todos. Quando encontramos a Vanessa, ela estava sentada conversando com o Herbert. Fomos falar com ela, e eu brinquei: “Você acabou de tocar com o Sly & Robbie brasileiros, hein?”, e ela disse: “Acabei de falar isso pro Herbert!”. Quem não conhece, deve ouvir a dupla jamaicana – entende-se bastante de onde veio a inspiração para Bi e Barone. Quem ainda não foi a um show dos Paralamas, deve ir sem falta, mesmo que seja numa quinta-feira à noite em uma casa de shows que mais parece restaurante com tantas mesas e cadeiras. E se um dia você tiver a milagrosa chance de ver tudo isso do palco, não deixe escapar por nada. Ainda mais se existirem uns andares lá pra cima.

3 comentários:

Deise 10 de junho de 2009 às 14:43  

Maravilhoso o texto do Du, como sempre. Nossos Sly & Robbie tão sempre na melhor fase... troço impressionante!

Anônimo 10 de junho de 2009 às 18:17  

Excelente texto!
A gente se envolve na narrativa demais!
=D
abração!

Rafael Michalawski 13 de junho de 2009 às 11:49  

Realmente este show foi muito bacana.
Tanto o show em si, quanto os bastidores descritos com a tradicional maestria pelo Du.

Rafael

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